Quem não tem pressa come confit
Marcelo Bergamo dá dicas de como confitar carnes, técnica usada para concentrar o sabor por meio da conserva em gordura. (Caderno Paladar - Jornal Estadão)
Caderno Paladar - Jornal Estadão
Quando inventaram a geladeira, o confit perdeu espaço na conservação de carnes. Mas ganhou status gourmet entre os que não dispensam pato, ganso, porco ou até cabra velha preservados e amaciados na própria gordura.
Confira as dicas de Marcelo Bergamo
Ele não tem mais sua função original, mas está longe de se tornar obsoleto. O confit nasceu como técnica de conservação - a carne é guardada em sua própria gordura. Porém, com o tempo (e a invenção da geladeira), passou a ser cultuado como receita. O motivo? Além de concentrar o sabor, confitar dá maciez à carne.
O processo é simples: a carne é temperada e cozida na própria gordura, lentamente. Depois, carne e gordura descansam juntas até o dia de irem ao forno ou à frigideira. Por séculos, foi assim que se garantiu o consumo de carne durante o ano todo, no mundo inteiro.
Além de pato e porco, na França também se confita ganso; e na Espanha, como no Brasil, é comum cozinhar o porco na própria gordura. Os portugueses fazem a chanfana, um confit camponês para aproveitar a carne da cabra velha. Ela descansa na banha e cozinha em vinho tinto (tema da coluna de Dias Lopes na edição de 7/7/2011). Na cozinha judaica, é comum usar a gordura da galinha caipira para confitar arenque (prato conhecido como herring schmaltz). Mas Andrea Kaufmann, chef do AK Vila, prefere confitar a coxa da galinha e servi-la com repolho roxo agridoce.
Um dos pratos mais emblemáticos do Líbano é o qawarma - tradição dos antigos habitantes das montanhas mantida até hoje. As ovelhas da raça awassi (que têm rabo gordo) são submetidas a regimes forçados de engorda, abatidas e confitadas em uma jarra de barro com a própria gordura. "Geralmente as ovelhas são recheadas com arroz, tomate, grão-de-bico e carne moída. Pode soar agressivo, mas asrefeições com qawarma sempre foram sinônimo de delicadeza", diz a autora e jornalista gastronômica libanesa Anissa Helou.
Na Nova Zelândia, Austrália e Tasmânia existe a tradição de confitar uma ave chamada mutton-bird (pássaro-carneiro), gordurosa e com sabor que lembra o do carneiro - daí o nome.
O confit de canard (pato), que de tão famoso virou sinônimo do termo na França, surgiu no sudoeste do país, no século 18. Por ali, entrar em uma casa e não ver um pote com pato confitado é como abrir a geladeira do brasileiro e não encontrar uma tigelinha com feijão. O confit está em todos os cardápios. Pode ser acompanhado de batatas ou legumes, vai bem com terrine de foie gras, recheia massas, é desfiado na salada e indispensável à "feijoada francesa", o cassoulet.
Francês da Gasconha (ele não descarta a possibilidade de ser descendente do Dartagnan que inspirou o mosqueteiro de Alexandre Dumas), o chef do restaurante paulistano Le Bouchon, Patrice Dartagnan, é especialista em confit. Segue à risca a receita de sua terra. "Uso a coxa e a sobrecoxa do pato", ensina. "Primeiro, tempero com sal grosso, tomilho, sálvia e alecrim. Deixo marinando um dia. E depois aproximadamente 4 horas cozinhando na gordura do pato, em fogo baixo (90°C)."
A carne esfria em um pote com a gordura e vai à geladeira por pelo menos 12 horas. Na hora de usar, o chef leva a carne ao forno com um pouco da gordura por cima. Fica extremamente crocante. Ele a serve com batatas sauté com alho e salsinha e cogumelos frescos cozidos na mesma gordura do pato.
O chef Benny Novak, do Ici Bistrô, em São Paulo, tem dois conselhos para quem aceitar a sugestão do Paladar de abrir sua própria confitaria: "Quando estiver cozinhando a carne na gordura, não deixe a temperatura atingir mais de 90°C - porque a carne vai fritar - e preste atenção ao tempo da marinada (leia no quadro ao lado). Os nossos são mais simples: não se acanhe com o nome francês e perca a culpa de encher a panela de banha animal.