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Por Francisco Thiago e Luis Fernando

Espiritualidade. O que é? O senso comum das Igrejas definem espiritualidade das formas mais diversas. Desde as formas mais sobrenaturais até outras que são impossíveis de serem catalogadas. No entanto, à luz da Bíblia e da história da cristande, o que para nós é Espiritualidade?

Espiritualidade é a expressão exterior e corporal da fé interior motivada pelo Espírito Santo. Ela inclui a fé, o exercício espiritual e o estilo de vida do cristão. Trata-se, portanto, da vivencia da fé sob as condições da vida cotidiana, abrangendo as dimensões individual, familiar, comunitária e social.* (Novo dicionário de Teologia: Espiritualidade)*

Espiritualidade Neotestamentária

Ao consultar o Novo Testamento, observamos dois modos de Espiritualidade. A de Jesus e a Neotestamentária. Jesus expressava sua espiritualidade através do ouvir, orar, compartilhar, testemunhar e agir. Você pode observar isso nos passos de Jesus conforme descritos nos evangelhos e também na forma como ele vivia a sua religião: Judaísmo.

Após a sua morte e o acontecimento do pentecostes, os discípulos de Jesus iniciam uma nova forma de Espiritualidade fortemente doxológica e eclesiástica. Doxológica por conta da sempre afirmação do credo: "Jesus Cristo é o Senhor" E eclesiástica pois também se expressava no culto e na comunhão dos cristãos (At. 2. 42-47).

Mas esta forma de expressão não é estanque. Com o passar dos anos, vivenciamos outras tantas formas de espiritualidade. Vejamos:

Espiritualidade ascético-monástica

Durante os anos de perseguição, a Igreja precisava estar escondida; afastada do mundo (anacorese). No entanto, quando da secularização da Igreja, esconder-se não era mais necessário. Com o fim do martírio, a prática tornou-se nova ênfase (ascese). A soma da ascese e anacorese, criou uma espiritualidade anacoreta/cenobita (ermitões e conventuais) que buscava a harmonia entre corpo e alma através da experiência do Sagradao (paz de coração).

Espiritualidade Bíblico-meditativa

Esta espiritualidade tem duas formas básicas de expressão: ruminatio e lectio divina. Na ruminatio, o fiel recitava em voz baixa, durante o dia, textos bíblicos avulsos. Espera-se que o poder da Palavra, por si só, faça algo no fiel. A Lectio Divina, mais complexa, vê a espiritualidade como uma escada que leva à Deus. Os degraus são: Leitura, meditação, oração e contemplação.

Espiritualidade místico-contemplativa

Este tipo de espiritualidade advoga a gradual passividade da pessoa como processo de contato com o divino. Em primeira instância, de forma catafática, a pessoa conta com auxílios cognitivos para exercer sua espiritualidade, numa forma pré-contemplativa. A idéia é que se chegue ao ponto de que tais auxílios não sejam necessários para a experiência de compartilhar o mesmo lugar espiritual com Deus. Sentir-se perdido em Deus e senti-lo todo dentro de si.

Espiritualidade da Reforma

Lutero resgata a idéia da espiritualidade Lectio Divina.No entanto, ele faz algumas modificações, sendo que os degraus ficam denominados dessa forma: Oratio, Meditatio e Tentatio.A pessoa se prepara espiritualmente para viver as ambiguidades da vida. Como vemos, é uma espiritualidade comunitária.

Espiritualidade Pietista

Baseada nas idéias de Spener, a espiritualidade pode ser resolvida no processo de salvação: Conversão, Santificação e Edificação dos crentes (nos Collegia Pietatis). Foi a espiritualidade Pietista - que por si só, ou em conjunto com outras influências - gerou a época dos grandes avivamentos. A espiritualidade de Wesley pode ser colocada neste bloco.

Espiritualidade Fundamentalista

Para que se entenda o fundamentalismo e a sua forma de espiritualidade, é necessário ter em mente que essa expressão teológica nasceu para "defender o mundo" do liberalismo teológico. Por isso a defesa da Autoridade e Inerrância da Bíblia fazem parte da espiritualidade desse grupo. A Esp. Fundamentalista também toma os pontos da Esp. Pietista, acrescentando-lhe a "perdição eterna dos descrentes". Como pode-se notar, a Esp. Fundamentalista é profundamente individualista; e para defender suas posições teológica, assume características legalistas, intolerantes e autoritárias.

Espiritualidade Carismática

Este tipo de espiritualidade está espalhado em várias igrejas, sobretudo nas pentecostais e neopentecostais. Hoje, cada dia mais, tem ganho espaço nas igrejas históricas. Ainda que não seja uniforme, dada a sua diversidade, ela tem pontos comuns: Espiritual é aquele que é batizado no Espírito Santo; que possui os dons espetaculares (glossolalia, cura e profecia). Paulo Afonso Butzke coloca também como expressões do carismatismo a Teologia da Prosperidade e a centralidade da música no culto. Concordo que as expressões musicais fazem parte do carismatismo (e isso desde a muito tempo). No entanto, tenho constatado que muitas Igrejas e pastores carismáticos não são pregadores da Teo. da Prosperidade.Ainda que a mídia ofereça maior destaque a estes outros.

Nem tanto ao céu...

Vimos vários tipos de Espiritualidade presentes na cristande durante a história. Fica mais ou menos claro que não se pode, portanto, falar em uma forma de espiritualidade mais santa ou correta. O desafio para o Cristão hoje, talvez, seja fazer uma síntese dessas formas de espiritualidade. Frei Betto diz que "Antes de ser uma conquista ética, espiritualidade é um dom divino”. Concordo com ele, desde que lido ao contrário. Espiritualidade é um dom divino que se manifesta em formas éticas e estéticas. O teólogo Jünger Moltmann diz algo interessante:

“Considero o falar em línguas uma ação tão intensa do Espírito no intimo da pessoa que a expressão se desprende da linguagem inteligível e desata em gemidos, gritos e fala inintelegível, assim como uma dor intensa se expressa num choro incontido ou a alegria desmedida em risos, saltos e danças.” (Moltmann, 2002, p.68)

E complementa:

"Onde estão os carismáticos no cotidiano do mundo, na política, no movimento pacifista e no movimento ecológico? Por que não protestam conosco contra os mísseis atômicos? Considerando que as forças do divino Espírito não são concedidas para fugir dos conflitos desse mundo real para um mundo religioso ilusório, mas sim para testemunhar no meio dos conflitos o senhorio libertador de Cristo, então o “movimento carismático” não deve tornar-se uma religião privada, alheia à política. O critério da vida no Espírito Santo é e continua a ser o seguimento de Jesus". (Moltmann, 2002, p. 69)

Como teólogos e pastores, a via média proposta por Jünger Moltamann parece ser a mais adequada. O problema não está nas manifestações - que para uns podem ser absurdas, mas para outros não. A "loucabilidade" da atitude de alguém é definida pela nossa sociedade. Arrotar pode ser pecado para uns, mas sinal de amizade para outros. O que não pode acontecer é permitir que a prática do jejum, a oração no montem, a profecia na Igreja e outras mais expressões de espiritualidade sirvam de anestésico alienador para o povo já sofrido de nossas comunidades.

Não podemos deixar que a comunidade (e até nós mesmos) faça como Pedro que queria prender o Sagrado no alto da montanha:

E aconteceu que, quando aqueles se apartaram dele, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é que nós estejamos aqui, e façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias, não sabendo o que dizia.Lc. 9.33

Por isso, como espiritualidade, propomos uma expressão que seja, de certa forma, um regresso ao que fora proposto por Jesus e pelos seus discípulos. As palavras de Moltmann resumem bem o que queremos dizer:

A conversão a Deus contém a exigência da conversão ao outro. Do encontro da fé com a realidade de opressão, nascem a mística e a espiritualidade, que podem ser expressas no amor à causa dos desfavorecidos, oprimidos, segregados, estigmatizados.

Desculpem-nos o tamanho do post. Mas é que o assunto é muito extenso e queríamos tratá-lo com a seriedade que é exigido.

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