Ciências da Religião debate como o neoliberalismo leva ao sofrimento social
O discurso anticapitalista por si só não resolve. É preciso repensar a Teologia da Libertação, por exemplo. “Devemos manter as bases centrais como o amor de Deus por todos, sobretudo pelos que sofrem, mas precisamos fazer teorias a partir de práticas e vivências novas. Hoje há o domínio do poder econômico e das forças políticas sobrepondo-se à ingenuidade e ao otimismo de antigamente”, afirmou professor Jung Mo Sung, um dos mediadores da mesa de debates sobre Sofrimento Social e o Capitalismo como Religião, dentro do Congresso Metodista 2022.
O consenso do encontro foi cobrar da sociedade alternativas ao sacrifício humano imposto pelo neoliberalismo e causador do que passou a ser denominado como sofrimento social. Segundo os debatedores, a lógica econômica atual rotula de incompetentes pessoas mais fragilizadas, culpando-as por não se integrarem à sociedade de consumo. “O mercado se tornou um ícone porque vende a condição de um paraíso na Terra. A parcela humana que não consegue se submeter às leis do mercado é simplesmente descartada e ainda culpada por ter fracassado”, teorizou o mestrando Thales Martins dos Santos.
O eixo das discussões foi o de que a idolatria ao mercado ou ao dinheiro está exigindo sacrifícios de vidas humanas, sobretudo dos mais pobres, levando a um sofrimento não mais pessoal, mas a um sofrimento coletivo. O encontro foi realizado na tarde de 26 de outubro e reuniu alunos e docentes de Pós-graduação em Ciências da Religião. A aluna Loyane Pessato Ferreira discorreu sobre vários conceitos de sofrimento na tradição budista-tibetana, entre os quais os que se relacionam com separações, frustração com não-conquistas, incertezas, desencanto com pessoas e ansiedade.
Dor e estatística
Professor Lauri Wirth discorreu sobre dor social com base na obra Vida e Palavras: a Violência e Sua Descida ao Ordinário, de Veena Das, que narra o período de partição da Índia nos anos 1940. Segundo o docente, as ciências sociais não captam adequadamente a dor social: “Veja o exemplo da pandemia de Covid-19. Tudo se resumia a estatísticas de morte, problemas captados em dados, não sobre o sofrimento das vítimas”, disse.
Segundo a escritora Veena Das, a comunidade é um dos alicerces para dar relevância à dor do próximo, pois é nela que as pessoas vivem, padecem, se articulam e se mobilizam. Prof. Lauri também apontou como os boatos e “conhecimento envenenado” (as modernas fake news) violam e levam à dor social. Uma forma de combatê-las, segundo a escritora Veena Das, é utilizar a força do testemunho das próprias vítimas, tornando-o público.
Segundo professor Jung Mo Sung, nos anos 1960, na Índia, havia a ideia de que o sofrimento do pobre era castigo de Deus e não merecia ajuda porque atrapalharia o processo de purificação da pessoa. Mas hoje, o novo tipo de sofrimento social nascido do neoliberalismo exigiria um processo de resiliência, “para possibilitar a essa pessoa encontrar um caminho de redenção”, disse. Conforme o docente, é preciso deixar a culpa de ser fracassado e combater a lógica da acumulação do capital, seja por meio da espiritualidade, da religião ou do humanismo. “Não se pode tachar de fracassado um pai que não pode comprar um brinquedo para o filho, como faz o neoliberalismo”, disse.
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Texto: Malu Marcoccia
Última atualização: 26/10/2022