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Texto produzido pelo Deão da FaTeo o pastor, professor e psicólogo Josias Pereira, apresentado no Encontro Nacional de Mulheres Metodistas, junho de 2005.

Considerações Preliminares

Ao considerar a questão da solidariedade em situação de violência, entendemos por bem trabalhar inicialmente alguns aspectos teóricos e conceituais, para localizarmo-nos melhor no âmbito da discussão.

Iniciamos nossas considerações a partir da compreensão de que a violência é um fenômeno cultural cuja definição já foi proferida pela prof.ª. Blanches.

A partir de estudos de vários autores, podemos entender que a violência contra os mais fracos vem de tempos remotos, cuja história no-lo revela. Entretanto, a pessoa tida como mais fraca, nem sempre é tão fraca como se crê.

Portanto, ao refletirmos sobre o tema, devemos ter em mente que é muito importante educarmo-nos para a formação da ATITUDE ante a violência. Atitudes que gerem a consciência da superação da violência.

Solidariedade não é tão somente estar com a pessoa que foi violentada. É indispensável atuar em direção à mudança dos sistemas vigentes.

Desenvolver atitudes educacionais que proporcionem a ampliação de uma mentalidade mais compreensiva e madura sobre os direitos humanos e a igualdade desses direitos entre mulheres e homens, crianças e adultos, ricos e pobres e a questão do idoso.

Os homens devem conscientizar-se de que a humanidade da mulher deve ser entendida e aceita com dignidade e respeito.

Os adultos devem tomar consciência e conhecimento dos direitos da criança e do idoso.

A questão da linguagem

Há uma teoria entre os especialistas da psicologia que afirma que a linguagem, especialmente a verbal, interfere seriamente na determinação de nosso modo de ser. Aprendemos pelo que ouvimos. Wimer Botura Júnior(1) afirma no contexto de suas considerações que "somos aquilo que fazemos com o que fizeram conosco", isto é, o ambiente que vivemos na infância e o que nos disseram a respeito de nós mesmos determinam os valores estruturais de nossa personalidade.

Outro aspecto a ser considerado, no caso de violência contra a mulher, é a idéia de que ela é frágil. A ação solidária não deve trilhar por estas sendas.

Não podemos confundir sensibilidade, próprio do feminino, com fraqueza.

Historicamente, tem-se provado que a mulher é extremamente forte para suportar os revezes da vida.

A ação solidária deve evocar e estimular esse potencial feminino, no que diz respeito à mulher.

Há, no imaginário popular, crenças que precisam ser superadas já que, no caso da violência, geram atitudes conformistas e distorcidas, dificultando ações corretivas.

É muito importante, na ação solidária, estar incentivando a vítima a refletir sobre crenças a respeito de si mesmas.

Na teoria são arquétipos que precisam ser integrados, pois fazem parte de nossa herança cultural (2).

A crença de que não adianta fazer coisa alguma, pois o mundo é assim mesmo, foi sempre assim e continuará assim sendo, o ser humano é mau por natureza e continuará sempre maldoso, não pode prevalecer. É necessária a superação das crenças negativas e destrutivas. O caminho é a educação e conscientização.

É importante superar tais crenças e a solidariedade pode ser canal excelente para se alcançar meios que se sobrepujam às crenças indesejáveis e à compreensão de que o ser humano é essencialmente bom e que as ações violentas são contrárias à humanidade.

Citamos alguns apanhados interessantes extraídos do livro "Operário, Operária", de Arakcy Martins Rodrigues(3), que embora o texto não esteja enfocando especificamente a questão da violência, os dados coletados são muito interessantes:

"Daí, eu fui arrumar serviço na Duchen e arrumei. Era pra mim voltar na segunda-feira para trabalhar, ele não deixou, quebrou o pau comigo, minha filha, queria até me matar, uma briga danada, minha família entrou no meio, aquela confusão toda, ele queria jogar o menino no poço, ele foi preso.

Ele disse: você não vai trabalhar. Eu morro de fome, mas você não vai trabalhar" (4).

"Minha cabeça não dá. Espere aí, vou ver uma coisa na cozinha, enquanto isso eu vou parafusando aqui na cabeça(...). Ai, meu Deus, é tão difícil (...) já tem tanta coisa difícil, e ainda me acontece isso aí, me pegou desprevenida (...). Coitada de mim, que minha cabeça aqui... (...) Não sai nada da minha cabeça agora. Está muito difícil, a gente tem que tirar coisas da cabeça, nossa! Tem que pensar... não dá! Ai, eu vou ficar com a cuca... fundi a cuca, viu? Não dá, essas coisas assim tem que estudar, tem que pensar muito, tem que, sei lá, é assim como se fosse um estudo".

"Vou chamar meu marido, ele sabe falar... Precisa falar? É dura, viu, não é fácil... deixa eu chamar meu marido... ele fala melhor, sabe?... Se eu vou falar, ele vai ficar tirando sarro de mim, vai ficar a semana inteira aí me enchendo a paciência" (5).

"Este meu marido... você vê, eu é que tenho que trabalhar para sustentar meu filho (...) ele tem boa profissão, mas não liga pra nada (...) ele fica até três meses sem vir em casa (...) há dois anos que eu vim pra casa dos meus pais, então precisei trabalhar, porque eu não ia viver aqui às custas do meu pai, né? (...) Ah, menina, eu nem sei como faço, se eu devo largar dele (...). Você, vê, eu não sou casada com ele, vivo com ele faz três anos. Ele é separado da mulher (...) Depois que eu vim pra casa do meu pai aí que... começou a não dar nenhum tostão (...) Comecei a trabalhar, ganho no máximo setecentos, pra sustentar uma casa não dá mesmo, né, você pensa que dá?" (6).

Orientações Práticas

1 - Em todos os casos de violência contra alguém, há uma situação de crise (conflito). São questionamentos: em que errei? Por que comigo? O certo e o errado - pecado, castigo ou expiação?

2 - Solidariedade é compartilhar o sofrimento com a pessoa sofredora. Não cabe nenhum julgamento. Não tentar responder perguntas e nem explicar os questionamentos.
" Procurar encarar a situação nua e crua;
" Não é adequado indicar o caminho. A própria vítima deve encontrar o seu caminho.

3 - É importante apontar os seus direitos, mas respeitar os seus limites.

4 - Solidariedade é estar com a pessoa sofredora, sofrer com ela, mas estar consciente de que o sofrimento é da outra e não meu. ESTAR COM.

5 - Ajudar nos encaminhamentos:
" Onde buscar auxílio: - médico;
- policial;
- jurídico;
- social;
- religioso.
" Mas sempre respeitando a liberdade e o direito de decisão própria.
" Procurar mostrar que sempre há uma saída. Se possível, apontar as eventuais saídas, nunca uma só, se você vê uma só saída, deve refletir um pouco mais, pois poderá: não estar entendendo bem o caso; estar vendo o caso de maneira preconceituosa; estar sendo partidária; estar projetando sentimentos reprimidos seus; estar vivendo um processo de identificação (transferência); estar equivocada quanto ao caso, etc.

6 - Quando a vítima toma uma decisão, é bom ajudá-la no sentido de avaliar com maior reflexão:
" Se é a melhor decisão a ser tomada naquele caso;
" Se existem recursos para a execução do plano;
" Se a pessoa tem estrutura moral, familiar, social, financeira e, especialmente, emocional, para suportar as conseqüências.

7 - Também a vontade própria deve ser entendida, onde a realização pessoal deve ser entendida e respeitada. Mas, compreender que, cada decisão tem um custo que deve ser devidamente assumido. Isto é, todo caminho tem suas conseqüências, boas e ruins, agradáveis e desagradáveis.

8 - Num procedimento solidário, devemos lembrar que não há plenitude de satisfação, alegria e felicidade, pois "não há paraíso sem serpentes, não há caminho sem pedras, não há roseira sem espinhos, não há decisões sem dificuldades".

9 - Nas situações de violência estão sempre presentes os sofrimentos. A solidariedade implica também em consolação. Mostrar que o sofrimento sempre apresenta oportunidade de aprendizagem e crescimento.

10 - Solidariedade em situação de violência é oportunidade de estar junto de alguém que sofre um trauma pelo desrespeito, pelo desamor, pela incompreensão e pela maldade. Devemos agir: - respeitosamente;
- amorosamente;
- compreensivamente;
- bondosamente.

Na prática da solidariedade, precisamos ter cuidado para não adentrarmos por caminhos técnicos, onde poderá prevalecer a idéia de certo ou errado, de forma que sejam adotadas normas, no lugar da compreensão e flexibilidade.

Nestes casos, devem prevalecer a compreensão e aceitação da pessoa com todas as suas falhas e acertos.

Um aspecto importante, também, na prática solidária, é o cuidado com os chamados "mecanismos de defesa", pois, muitas vezes, "inconscientemente, optamos por mecanismos de defesa, afastando-nos do problema por meio de algo frio e impessoal" (7).

A empatia é fundamental para uma ação solidária nos casos de "vítimas da violência e seus familiares".

Muitas vezes, nada podemos fazer, mas podemos transformar o NADA em TUDO, ESTANDO COM.

Notas

Wimer BOTURA Júnior. Agressões Silenciosas.
Idem.
Arakcy Martins RODRIGUES. Operário, Operária: estudo exploratório sobre o operariado industrial da Grande São Paulo.
Idem. p. 69.
Idem. p. 64
Idem. p. 72
Revista VIVER PSICOLOGIA. O Drama das Vítimas Indiretas. p. 30-31.

Bibliografia

BOTURA, Wimer Jr. Agressões Silenciosas: o contágio pela comunicação. São Paulo: Edições OLM, 1997. 139p.

__________________ A Paternidade faz a diferença. 3ª. ed. São Paulo: Editora Gente, 1994. 90p.

__________________ Ciúme. São Paulo: Editora C. Roka Ltda., 1996. 138p.

OLIVEIRA, José Fernandes de. O Sexo que Deus lhe deu. Coleção Jovens-Adultos. Número 6. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. 123p.

REVISTA VIVER: PSICOLOGIA. Número 139. Agosto de 2004. ISSN: 1676-9791. O Drama das Vítimas Indiretas. São Paulo: Duetto Editorial, 2004. p. 30-31

RODRIGUES, Arakcy Martins. Operário, Operária: estudo exploratório sobre o operariado industrial da Grande São Paulo. 2ª. ed. Coleção Ensaio e Memória. Número 11. São Paulo: Símbolo, 1978. 144p.

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