"Até Quando Senhor...?" (Hc 1. 1-4 e cap. 2)
Texto produzido pelo Pr. Genildison da Silva Ribeiro, ex-aluno da FaTeo (formandos de 1999), pastor da 4ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista (MG/ES)
Introdução
Há pouco tempo eu li uma matéria na revista Veja (27 de março de 2002) que dizia: "Um trem + uma boneca = 2,2 milhões de reais". A boneca, parecida com a Barbie, porém numa versão japonesa, foi vendida por 1,8 milhão de reais; o trenzinho estilo Maria fumaça, que nos faz lembrar nossos antigos ferroramas, foi vendido por 400.000 reais. Talvez isto não te assuste, pois com certeza você já leu sobre muitos absurdos como este. Mas, o que me levou a refletir sobre esta questão foi ter lido, no Jornal do Norte , justamente na mesma semana uma matéria escrita pelo jornalista Artur Júnior que denunciava a situação de uma família vivendo em extrema miséria. A degradação era tal que, segundo relatos da matéria, o pai ameaçava comer o próprio filho, tamanho o desespero e o desejo de comer um pedaço de carne, que há muito tempo não via sobre a sua mesa.
É percebendo o extremo em que chegou a maldade do ser humano, a ponto de hipervalorizar objetos supérfluos como bonecas e trenzinhos e virar o rosto para o seu próprio semelhante, aquele que fora criado à imagem e semelhança de Deus, que nós, como Igreja Metodista, devemos levantar a nossa voz profética e denunciar não somente esta, mas todo tipo de injustiça cometida contra o ser humano, que foi criado por Deus, para viver com dignidade e justiça.
Relatos como este nos mostra o quanto o ser humano está longe de Deus, e eu não ficaria admirado se os compradores de tais brinquedos forem cristãos! Pessoas que professam sua fé em Deus, mas cujo coração e vida estão longe do padrão de justiça estabelecido pelo próprio Deus.
A Oração de Habacuque e a Resposta de Deus
"Até quando Senhor...?" A oração de Habacuque é a expressão exata do drama e desespero de milhões que vivem neste mundo de injustiças, desigualdades e miséria. Ela é a oração do povo de Deus, que está inserido nesta realidade, e não suporta mais ver-viver a violência e a injustiça. Não somente a violência explicita, presente nos espancamentos, assassinatos, roubos e seqüestros que todos os dias assistimos nos jornais e programas de tv que só servem para tirar a nossa atenção da verdadeira violência, que se apresenta travestida (camuflada) e que passa desapercebida diante dos nossos olhos - presente na injustiça do nosso salário; no descaso dos nossos governantes que roubam e matam o pobre através de leis para que o rico fique ainda mais rico; na incapacidade que muitos têm de estender a mão ao necessitado e aflito, etc. Há alguns dias atrás eu estava num ponto de ônibus segurando uma nota de 1 real. E, olhando aquela nota, eu estava refletindo a que ponto chegou a humanidade! Um simples pedaço de papel determina toda a nossa vida e existência. Ele determina o que eu vou comer, onde eu posso ir, o que eu vou vestir, se eu vou viver ou morrer...!
No mundo de hoje, dominado pelo capitalismo, o ser humano e a sua dignidade não tem valor algum; Deus não tem valor algum; a família não tem valor algum; a ética, a justiça, o direito, o amor... Nada disso têm valor algum - a não ser o valor determinado por este pequeno pedaço de papel. E, neste mundo, a oração do povo de Deus, daquele(a) que não suporta mais ver a violência, a injustiça e a miséria tem sido continuamente: "Até quando Senhor...?"
Mas o que alegra o coração deste povo, povo de Deus, é que, embora pareça que Deus não está percebendo a situação, ou está indiferente a todas estas coisas, Ele percebe age e já tem o destino de cada um que pratica a iniqüidade e a injustiça determinado. Diante de Javé nada passa desapercebido. À oração de Habacuque, cujo tom inicial parece mostrar um Deus indiferente, Deus responde através de 5 ais:
Ai daquele que acumula o que não é seu (Habacuque 2. 6)
Ai daquele que ajunta em sua casa bens mal adquiridos, para pôr em lugar alto o seu ninho, a fim de livrar-se das garras do mal. Vergonha maquinou para a tua casa; destruindo tu a muitos, pecaste contra a tua alma; (Habacuque 2. 9)
Ai daquele que edifica a cidade (vida) com sangue e a fundamenta com iniqüidade; (Habacuque 2. 12)
Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro, misturando à bebida à sua ira... Serás farto de opróbrio em vez de honra... (Habacuque 2. 15);
Ai do idolatra "daquele diz à madeira: Acorda! E à pedra muda: Desperta! Pode o ídolo ensinar?"
Deus denuncia a maldade do povo, presente na injustiça, na indiferença, no pecado e principalmente na idolatria, que aliena o ser humano, separando-o de Deus, de si mesmo e do seu semelhante, tornando-o incapaz amar e de perceber a maldade se desenvolvendo cada vez mais em seu coração. O próprio Deus declara: "Que aproveita o ídolo, visto que o seu artífice o esculpiu? E a imagem de fundição, mestra de mentiras, para que o artífice confie na obra, fazendo ídolos (imagens) mudos?" (Habacuque 2. 18). A imagem de escultura é incapaz de ensinar, pois transforma o ser humano à sua semelhança, tornando-o sego (incapaz de perceber sua própria maldade e miséria), surdo (incapaz de perceber a voz de Deus e o clamor do aflito), mudo (incapaz de denunciar e dizer sim à voz de Deus) e sem ação (incapaz de mover-se em direção a Deus).
O justo viverá pela Fé (Habacuque 2. 4)
Para Habacuque Deus declara que o justo viverá pela fé. Fé que neste texto tem um sentido muito mais profundo do que o mero entendimento abstrato de uma confiança ou esperança numa ação futura e distante. Aliás, esta era a fé e o sentimento do profeta expresso em sua oração: "Até quando Senhor...?". E que é interpelada por Deus. Deus não aceita este tipo de fé que deixa o crente inerte e sem ação. Apenas olhando para cima e, espantado, aguardando uma resposta. A palavra utilizada neste texto para designar a verdadeira fé é (emunah), cujo sentido mais profundo é fidelidade (Habacuque 2. 4). Esta é a fé que mantém o servo(a) de Deus vivo. A fidelidade engloba a confiança, esperança, mas também exige a ação, atitudes concretas que determinam que verdadeiramente somos povo de Deus, independentemente da situação em que estamos. A esta resposta de Deus, e percebendo a sua situação e a situação de todo o povo, Habacuque faz a sua oração, intercedendo por si e por todos: "Tenho ouvido, ó Senhor, as tuas declarações e me sinto alarmado; aviva a tua obra (desperta o teu povo), ó Senhor, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida..." (Habacuque 3. 2). A oração de habacuque ecoa em toda a Palavra de Deus, ela é um apelo para um verdadeiro despertamento na vida de todos(as) para a realidade de Deus e de sua justiça.
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