Tenho por premissa que os meios de produção estabelecem elementos que condicionam de modo direto ou indireto a cultura de um povo. A maneira como as pessoas se organizam na busca do sustento, no seu trabalho, dia a dia, vai deixando marcas profundas no seu espírito: os valores, o certo e o errado, as relações interpessoais, a forma de lidar com a coisa pública, a maneira de fazer política. A partir desta consciência proponho a seguinte tese: ainda hoje, Rondônia vive como que no garimpo.
O Estado de Rondônia tem sua trajetória econômica e cultural muito vinculada ao garimpo. Inicialmente, o ouro do Vale do Guaporé, baseado na mão-de-obra escrava. Já nos séculos XIX e XX, milhares de pessoas, oriundas do nordeste e do exterior, vieram na busca do “ouro branco” (como foi chamado o leite da seringueira). Depois vieram os recentes ciclos da cassiterita, do ouro do Madeira, dos diamantes e outros garimpos de pedras preciosas. Mesmo na década de 1970, a propaganda que trouxe os migrantes sulistas para o interior dizia que as terras de Rondônia eram um el-dourado.
Bem, guardadas as devidas peculiaridades, quero destacar duas coisas que perpassam estes ciclos econômicos, influenciando de modo decisivo a estrutura política e cultural de nossa gente.
Primeiro, sempre ocorreu a vinda de milhares de trabalhadores, oriundos das diversas partes, em busca das riquezas que esta terra pudesse oferecer. Quase sempre por aqui chegavam na crença de que o dinheiro chegaria fácil, ou ao menos sem as dificuldades que esses trabalhadores enfrentavam na terra de origem. O fato é que o elemento que motivou, originalmente, e ainda tem motivado a chegada de tantas pessoas para estas bandas da Amazônia, foi o desejo individual ou familiar de construir riquezas. Trata-se do cumprimento do ideal positivista, capitalista e individualista de progresso.
Porém, longe de se dar em uma sociedade democrática e madura, o chamado “progresso” de Rondônia tem ocorrido sob a autoridade de pouquíssimos mandatários, numa estrutura tipicamente coronelista, onde as lideranças políticas se utilizam dos vínculos de compadrio para imporem seu domínio. Para os seus, os coronéis são protetores, brandos e paternalistas. Para com seus inimigos, são implacáveis, déspotas e cerceadores da liberdade de expressão e da própria vida. Neste contexto, também é comum encontrar um modelo patrimonialista de gestão, aonde a coisa pública é confundida com o privado. Aqui, o gestor público, longe de toda e qualquer crise de consciência, se utiliza das ferramentas do estado como se fosse seu.
A partir destas considerações, devo admitir, mesmo que triste e inconformado, que o Estado de Rondônia ainda vive num típico ciclo do garimpo, mantendo suas raízes culturais e políticas. No entanto, quem traz a onda de progresso e desenvolvimento são as hidrelétricas do Madeira, com os numerosos e passageiros empregos, e com as astronômicas verbas de compensação e investimento do PAC.
Este é o novo garimpo! Aqui estão as grandes oportunidades de enriquecimento! Agora, gestores das diversas instâncias do executivo e do legislativo têm a oportunidade de garimpar os cofres públicos. Isso ocorre de todas formas possíveis, com licitações direcionadas para empresas próprias ou dos mais chegados, orçamentos descaradamente superfaturados, compra de notas fiscais, estranhas “comissões” para nossos legisladores de acordo com os projetos e emendas aprovadas... e por aí vai. Em ano de eleições a coisa fica pior, afinal, de onde virá o dinheiro para a compra de votos do eleitor pobre e sem consciência de sua força política?
Não posso nem mesmo exigir escrúpulos, o mínimo de ética cidadã, de dor na consciência. Afinal, este garimpo dos cofres públicos é moralmente aprovado pelo “direito de costume”. O Ficha Limpa e as impugnações trouxeram algumas pequenas modificações na situação, mas como faremos para modificar os traços da própria cultura política deste garimpo ilegal?
Gidalti Guedes da Silva
Porto Velho, 18/07/2010